terça-feira, 15 de maio de 2012


    Carta escrita no ano de 2070


Estamos no ano de 2070 e acabo de completar os 50 anos, mas a minha aparência é de uma pessoa de 85 anos. Tenho sérios problemas renais porque bebo pouca água. Creio que me resta pouco tempo, hoje sou uma das pessoas mais idosas nesta sociedade.

Recordo quando tinha 5 anos, tudo era muito diferente, haviam muitas árvores nos parques, as casas tinham bonitos jardins e eu podia desfrutar de um banho de chuveiro por cerca de uma hora. Agora usamos azeite mineral para limpar a pele. Antes, todas as mulheres mostravam a sua formosa cabeleira, agora devemos raspar a cabeça para mantê-las limpas sem água.
 
Antes, o meu pai lavava o carro com a água que saía de uma mangueira, hoje, os meninos não acreditam que a água se utilizava dessa forma.

Recordo que haviam muitos anúncios que diziam CUIDE DA ÁGUA, só que ninguém ligava; pensávamos que a água jamais podia terminar.

       Agora, todos os rios, barragens, lagoas e mantos aquíferos estão irreversivelmente contaminados ou esgotados. Antes, a quantidade de água ideal para beber era oito copos por dia por pessoa adulta, hoje só posso beber meio copo. A roupa é descartável, o que aumenta grandemente a quantidade de lixo; tivemos que voltar a usar os poços sépticos (fossas) como no século passado porque as redes de esgotos não se usam por falta de água.
 
A aparência da população é horrorosa; corpos desfalecidos, enrugados pela desidratação, cheios de chagas na pele pelos raios ultravioletas, já que não temos a camada de ozônio que os filtrava na atmosfera. Imensos desertos constituem a paisagem que nos rodeia por todos os lados. As infecções gastro-intestinais, enfermidades da pele e das vias urinárias são as principais causas de morte. A indústria está paralisada e o desemprego é dramático. As fábricas dessalinizadoras são a principal fonte de emprego e pagam-te com água potável, em vez de salário. Os assaltos por um galão de água são comuns nas ruas desertas, a comida é 80% sintética. Pela ressequidade da pele, uma jovem de 20 anos parece como se tivesse 40.

Os cientistas investigam, mas não há solução possível, não se pode fabricar água. O oxigênio também está degradado por falta de árvores, o que diminuiu o coeficiente intelectual das novas gerações.

          Alterou-se a morfologia dos espermatozóides de muitos indivíduos, como consequência, há muitos meninos com insuficiências, mutações e deformações. O governo já nos cobra pelo ar que respiramos: 137m3 por dia por habitante adulto. As pessoas que não podem pagar são retiradas das "zonas ventiladas", que estão dotadas de gigantescos pulmões mecânicos que funcionam com energia solar, não são de boa qualidade, mas pode-se respirar, a idade média é de 35 anos. Em alguns países existem manchas de vegetação com o seu respectivo rio, que é fortemente vigiado pelo exército.

A água é agora um tesouro muito cobiçado, mais do que o ouro ou os diamantes. Aqui já não há árvores porque quase nunca chove, e quando chega a registrar-se uma precipitação, é de chuva ácida; as estações do ano tem sido severamente transformadas pelos testes atômicos e da industria contaminante do século XX. Advertiam-se que havia que cuidar do meio ambiente e todo mundo fez pouco caso. Quando a minha filha me pede que lhe fale de quando era jovem, descrevo o bonito que eram os bosques, a chuva, as flores, do agradável que era tomar banho e poder pescar nos rios e barragens, beber toda a água que quisesse, o quão saudável que as pessoas eram.
 
          Ela pergunta-me: "Papai, por que acabou a água?" Então, sinto um nó na garganta; não posso deixar de sentir-me culpado, porque pertenço à geração que destruiu o meio ambiente ou simplesmente não ligamos para os tantos avisos que nos deram. Agora, os nossos filhos pagam um preço alto e, sinceramente, creio que a vida na Terra já não será possível dentro de muito pouco tempo, porque a destruição do meio ambiente chegou a um ponto irreversível.

Como eu gostaria de voltar atrás e fazer com que toda a humanidade compreendesse isto enquanto ainda podíamos fazer alguma coisa para salvar o nosso Planeta Terra!


Extraído da revista biográfica "Crónicas de los Tiempos"

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